A arte de não saber comunicar

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Estamos na Era da comunicação mas, paradoxalmente, sabemos comunicar cada vez menos. É um facto.

Comunicar envolve, por definição, pelo menos duas pessoas: o emissor e o receptor. Precisamos de uma pessoa que transmita uma mensagem e de outra que a receba e que, seguidamente, devolva uma resposta concomitante com o que foi dito. No entanto, cada vez menos isto acontece.

O que me parece é que deixámos de comunicar, de conversar, de dialogar, para passarmos a fazer monólogos acompanhados. Já não interessa o que A disse ou o que B fez. O que interessa é que possamos vomitar tudo o que queremos e que haja alguém do outro lado a ouvir. Ou a fingir que ouve. E, de preferência, sem interrupções. Somos, no fundo, a audiência pseudo-interessada: além de fingirmos que ouvimos, no fim até murmuramos um “pois é” convincente para depois retomarmos o foco para nós próprios e podermos expelir as nossas entranhas. É um ciclo. Quase bulímico. Acumulamos todas as nossas informações e depois, quando já estamos enfardados, precisamos de um ouvido (leia-se sanita) para podermos ficar mais leves. E retoma-se o ciclo.

não saber comunicar

 

Os diálogos foram reduzidos a monólogos. Não todos, mas uma grande maioria. Basta parar uns minutos num café, no metro ou num jardim. As conversas são todas centradas no eu, eu, eu. Não interessa o que o outro diga, a resposta seguinte iniciar-se-á invariavelmente por um “eu…”. É inevitável. Há uma dificuldade enorme de comentar o que o outro diz, de questionar e de, no fundo, se interessar genuinamente pelo que está a ser dito.

Enquanto o outro fala, vamos abanando a cabeça e dizendo que sim, embora estejamos muito mais empenhados a pensar no que vamos dizer a seguir. Nem precisamos de ouvir o que C diz porque o que diremos de seguida será um tópico escolhido por nós que não vai ter necessariamente a ver com o que se falava. Por vezes, ainda há a necessidade de tentar demonstrar que sim, mas facilmente se percebe que isso era só um pretexto para se fazer uma transição mais…suave. Digamos assim.

Parece que já ninguém se escuta. Todos querem falar e todos querem ser escutados, mas ninguém se dá ao trabalho de escutar. De ouvir ainda vá que não vá. Mas ouvimos porque somos obrigados e porque é um acto involuntário, caso contrário eu acredito que havia muita gente que se punha off ou desligava o som.

A realidade é simples. A maioria das pessoas procura receptores de informação onde possam depositar o que lhes apetece. Procuram alguém que empreste os seus ouvidos. É isso. Nós somos emprestadores de ouvidos. E será que é isso que é comunicar?

Para mim, comunicar é muito mais do que emprestar os meus ouvidos até estarem a rebentar de informação. Comunicar é um jogo criativo em que nos escutamos, em que nos interessamos e em que temos sempre, ou quase sempre, algum feedback a dar sobre o que foi dito. É escutar o outro, dar-lhe o nosso tempo e, por vezes, até limitar o nosso próprio tempo de antena. É criar-se ali uma dinâmica e, no meio do que cada um diz, sair algo de proveitoso para ambos.

Se há alguma solução? Talvez. Temos que esvaziar os nossos egos e começar a arranjar um lugar para as outras pessoas. As que nos importam, sobretudo. Arranjar um sítio onde elas possam caber no meio do amontoado de informação que temos para reciclar. A capacidade de comunicar – e, em última análise, de escutar – implica que sejamos capazes de nos descentrarmos de nós próprios e de fugirmos a todos os pensamentos e ideias que estamos a ter no preciso momento em que alguém está a falar connosco. Não nos podemos esquecer de que a outra pessoa não é um caixote do lixo ou um depósito de neuroses.

Acho que, acima de tudo, temos que deixar de ser egoístas e passar a controlar a incontinência verbal. Caso contrário, passaremos a ser a geração dos monólogos acompanhados. Não nos podemos esquecer que as melhores conversas começam com o saber escutar. Além disso, queremos todos os mesmo, por que raio não começar a pô-lo em prática?

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